O que é o Eu Superior?
Será uma espécie de fantasma que à maneira de um
irmão siamês não se desgruda do indivíduo? Será um apêndice psicológico
agregado no cérebro como um excrescência? Perguntas contendo essas implicações
têm realmente sido dirigidas ao autor, dando azo à necessidade de uma ulterior
definição.
Antes de responder à pergunta, o autor deseja
tornar claro que está lidando com um assunto realmente inexpressável, salvo
para aqueles a quem a vida já proporcionou a experiência necessária, de maneira
que ele compreende perfeitamente que as palavras seguintes poderão muito bem
não satisfazer a todos. Isto não se pode evitar. As palavras são simples
expressões dos pensamentos, o produto do intelecto. Aqui estamos lidando com
uma região que transcende o intelecto. O único método adequado para expressar
essa região é o o uso de não palavras, isto é, o uso de um
profundo silêncio telepático. Um livro, sendo uma coleção de palavras,
é um método rasteiro de comunicação, não obstante, tem a sua razão de ser,
desde que desperte estados de espírito, crie uma atmosfera e prepare condições
mentais que tornem possível a verdadeira iluminação.
Embora o Eu Superior seja na realidade
uma Unidade, intelectualmente ser considerado de ponto de vista diferentes, e
assim sendo poderemos constatar que possuí diferentes aspectos. Seja o que for,
o essencial, antes de mais nada, é captar a ideia de sua natureza unitária. O
Eu Superior não se compõe de diversas camadas ou seções do nosso ser, mas é na
verdade o ponto central, o âmago vivo do próprio homem.
Em primeiro lugar, pode-se dizer que o
Eu Superior é primordialmente o ser essencial do homem, o todo importante
resíduo que sobra com a eliminação do pensamento de identificação com o corpo
físico e com o intelecto. Convém assinalar o realce emprestado à palavra
"pensamento" nesta sentença. Cientistas como Jeans e Eddington nos
dizem que o universo é na realidade uma ideia, mas como o corpo é uma parte
desse universo, nos é lícito considerá-lo como uma ideia também. O que é uma
ideia, porém, isso não nos dizem aqueles homens da ciência. Este é o passo
seguinte no aprendizado, pois através de constantes indagações e análises, as
ideias se assimilarão um dia no Eu Superior dentro do qual estão
enraizadas.
O Eu Superior é a força criativa que dá à luz o ego
pessoal, sustenta-o durante um período cósmico e a seguir reabsorve-o no seu
seio. Esta é a explicação da ousada frase panteísta de S.Paulo: "Nele
vivemos, atuamos e somos".
Invisível, intangível dínamo da vida, alimentando a
existência das suas criaturas, vida destilada até a última gota --- também isso
é o Eu Superior. Não nos é possível dar vida a um só pensamento ou tomar um só
fôlego sem que no ato sejamos assistidos por ele. A mais minúscula molécula do
estômago, dos pulmões e da face, tudo se baseia na instância do invisível. Ele
é o eixo de uma roda para qual todos os raios --- corpo, intelecto e sentimento
--- basicamente convergem.
Assim como um único raio de sol não pode ser
separado do sol propriamente dito, assim o átomo do Eu Superior no corpo não
pode ser separado do pai --- Deus no Universo. Quando, no capítulo anterior, se
disse, que o Eu Superior reside no coração, poder-se-dia ter acrescentado mais uma coisa a essa declaração. De fato, aquilo que até agora foi
explicado é apenas relativamente verdadeiro, foi contado de um ponto de vista
parcial, pois é preciso que o leitor seja gradualmente preparado para a
revelação final que será feita agora.
Aquilo que existe no interior do ser humano na
qualidade de centro do Eu Superior, existe também fora dele no Espírito
Universal, do qual é um fragmento.
A posição é paradoxal , pois não há senão um eu
Superior, um eu universal divino residindo em todos os homens. Não há um Eu
Superior separado para cada indivíduo, por assim dizer. O monismo é a verdade
verdadeira. "Eu sou um em meu Pai, e vós em mim, e eu em vós",
anunciou o Eu Superior através das palavras de Jesus. Não há senão um Eu
Superior para todos os corpos, e não um para cada indivíduo. Não há milhões de
Eus Superiores eternos, apenas milhões de individualidades perecíveis.
Aquilo que parece num homem como divino quando o
ego pessoal é subjugado, é precisamente aquilo que aparece em todos os demais
homens. Assim como um raio de sol qualquer não difere em qualidade do sol
propriamente dito, assim também o átomo do Eu Superior, o raio de Deus, não
difere do sol de Deus do qual emana.
Assim o Eu Superior é tanto um ponto matemático vazio como o
espaço circundando um universo, numa aliança sagrada. Essa asserção paradoxal
contraria a lógica comum e o bom-senso; ela não pode ser devidamente apreendida
pelo intelecto ; um conglomerado de palavras não é capaz de captar o
significado etéreo e enganoso; ela só pode ser compreendida e captada quando a
razão houver viajado até o seu limite extremo, para depois sair em inatividade
diante de uma presença tão excelsa.
O Eu Superior é eterno. Em momento algum esteve
distanciado de nós. Nós, contudo, deixamo-Lo passar despercebido. No seu seio
etéreo nós vivemos para sempre.
"Homem algum poderá ver Deus e viver", é
o que nos diz o Velho Testamento. O real significado dessas palavras é que
nenhum ego individual pode entrar no eu Superior e prosseguir na sua antiga e
limitada existência pessoal. Tão logo o ego mergulha no Eu Superior , ele se
dissolve, totalmente tranquilizado, na unidade desse último, e de agente se
conserva em paciente.
Nós não "vemos" o Eu Superior; nós o
apreendemos . As visões apenas revelam as suas mais belas vestimentas, seus
mantos de luz deslumbrante, mas mantos apenas.
Nós não contemplamos a beleza do Eu Superior, nosso
ser se dissolve no seu hálito e nos tornamos aquilo que o poeta, o pintor, o
escultor e o músico procuram mas raramente encontram.
O Eu Superior é a realidade suprema, mas a sua
realidade é demasiado sutil, demasiado refinada, demasiado rara, para ser
expressa de forma audível. O melhor é saboreá-la em alentados silêncios.
O Eu Superior é o raio de Deus no homem, o Infinito
incomensurável que impregna o ser mensurável, o verdadeiro espírito
anterior à criatura humana; é aquilo que o homem tem de inteiramente
isento da marca das paixões, dos desejos e das fraquezas. É para o homem o
pináculo de toda a moralidade genuína, a perfeição de toda a ética verdadeira,
porque lhe fala de sua unicidade com todo ser vivo ---- homem ou animal --- e, em
consequência inculca o dever primordial da compaixão universal. O
Eu Superior não expressa senão a si próprio. Não expressa a moralidade ou a
virtude (que são coisas do homem). O Eu Superior independe delas; nos criamos e
recriamos nossa moralidade de tempos em tempos, mas a ética do Eu Superior é
eterna e imutável. Contudo, toda a moralidade provém, em última instância, da
sua fonte gloriosa, e a toda a virtude é por último concedida através do seu
toque benigno. Aquele que vive à sua luz é superior em caráter ao homem bom,
assim como o homem bom é superior ao homem maldoso.
Finalmente, o Eu Superior é o sentimento do eu
aprofundado, divinizado e por derradeiro convertido no elemento transcendente
em que tal sentimento se origina.
Paul Brunton
(texto CÓSMICO extraído do livro "A Busca do Eu Superior", de
Paul Brunton. Editora Pensamento, São Paulo, 1983.)
Site no Portal Somos Todos Um: www.stum.com.br/st13651
Canal Sol do Everest: www.youtube.com/soldoeverest