Numa tarde sonolenta de verão, voltava um criador de cabras, do alto de uma planura verde. Ao pé da montanha por onde passava, encontrou, de repente, um ninho de águias todo estraçalhado. Dentro do ninho ainda lá estava um filhote de águia, ferido na cabeça. Parecia morta, a jovem águia, toda ensanguentada.
Recolhendo-a com cuidado pensou:
-Vou leva-la ao meu vizinho que é um amante de pássaros. Gosta de os empalhar. Talvez queira empalhar este filhote de águia!
E assim fez, foi a casa do amigo empalhador, que o recebeu alegremente, e lá deixou a águiazinha.
-Amanha vou empalha-la, matutou consigo mesmo. Embora pequena vai ser uma ave soberba enchendo de grandeza qualquer sala. Colocou a águia num cesto e foi dormir.
No dia seguinte teve uma grande surpresa. Ao retirar o cesto, percebeu que a águia ainda se mexia. Por misericórdia tratou-lhe as feridas e tentou alimenta-la. Mas a recuperação estava ser lenta, e por isso, o empalhador resolveu coloca-la no seu galinheiro. Uma águia não é uma galinha. Mas as galinhas podem provocá-la para viver, para locomover-se e, quem sabe, para despertar em si a imagem das alturas e buscar, um dia, o sol.
A águia passou a comer milho e ração para galinhas. A águia depressa adquiriu os hábitos das galinhas e o empalhador já nem dela se lembrava.
Passados cinco anos o empalhador recebeu a visita de um naturalista amigo. Enquanto passeavam pelo jardim, disse o naturalista:
-Este pássaro não é uma galinha. É uma águia.
-De facto - disse o empalhador - é águia, mas foi criada como galinha e por isso deixou de ser águia. Transformou-se numa galinha, apesar das suas magníficas asas!
-Não - retorquiu o naturalista - Ela é e será sempre uma águia. Tem coração de águia. E esse seu coração, fará com que um dia voe até ás alturas.
-Não, não, insistiu o empalhador. Ela transformou-se numa galinha e jamais voará como uma águia.
Então decidiram fazer uma prova.
O naturalista pegou na águia, ergueu-a bem alto e disse-lhe:
-Pertences ás alturas e não ao chão, voa para o infinito do céu como te pede o coração!
Mas a águia, amedrontada, não fez sequer um movimento. Ao olhar em seu redor, e vendo as galinhas a comer milho no solo, deixou-se cair pesadamente e juntou-se a elas.
-Eu disse, ela agora é uma galinha, jamais voltará a ser águia.- comentou o empalhador.
O naturalista ainda não convencido respondeu: - Ela é uma águia e vai seguir a sua natureza. Amanha tentamos novamente.
No dia seguinte, o naturalista subiu com a águia para o tecto da casa e sussurrou-lhe:
- Águia abre as tuas asas e voa!
Mais uma vez, a águia-galinha saltou para o solo e juntou-se ás galinhas.
Amanha, sem falta, a farei voar!- resmungou o naturalista ao ver o ar de gozo que o seu amigo esboçava. – Uma águia tem dentro de si o chamado infinito.O seu coração sente os picos mais altos das montanhas. Por mais que seja submetida a condições de escravidão, ela nunca deixará de ouvir a sua própria natureza de águia que a convoca para as alturas e para a liberdade!
No dia seguinte, os dois amigos acordaram cedo. Pegaram na águia e foram para o cume de uma montanha, longe da confusão da cidade. O Sol nascente dourava a montanha. O naturalista ergueu a águia até ao pico da montanha e ordenou-lhe: - Águia desperta do teu sono, deixa nascer o sol dentro de ti. Abre as asas e voa!
A águia olhou em seu redor. Tremia como se experimentasse uma nova sensação. Oh surpresa! A águia ergueu-se, soberba, sobre o seu próprio corpo. Revelou toda a sua força interior e abriu as suas longas asas titubeantes. Esticou o pescoço para a frente e para cima como para medir a imensidão do espaço. Grasnou com o típico kau-kau das águias e levantou voo. Voou na direção do sol nascente. Primeiro a medo, mas firme e confiante logo a seguir. Voou para o alto, para mais alto ainda, até desaparecer no horizonte.
Acabara de irromper plenamente a águia até aqui prisioneira de galinha. Finalmente livre para voar, e voar como águia resgatada rumo ao infinito. E assim voou até se fundir com o azul do firmamento.
Todos nós temos um pouco de Galinha e de Águia, mas não nos podemos esquecer que fomos criados à imagem e semelhança de Deus! NÓS TAMBÉM SOMOS ÁGUIAS. Nós voamos!
Leonardo Boff
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